Estresse, o maior gatilho para as síndromes da vida moderna

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Lidar com as exigências de uma sociedade contemporânea com o imperativo da pressa e das incertezas, sem falar na quase obrigação de estar sempre conectado, ligado e produtivo, não é fácil. Não raro, esse pacote provoca um desequilíbrio do ritmo biológico, levando ao desenvolvimento de uma série de distúrbios igualmente contemporâneos. Até a Justiça já começa a se preocupar com eles. Recentemente, uma decisão favoreceu uma jovem atendente de telemarketing que teve uma crise nervosa e xingou um cliente. Demitida por justa causa, teve o desligamento revertido ao ser constatado que sofria da síndrome de burnout. Acabou ganhando o direito a uma indenização da empresa.

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Profissionais que vivem sob pressão extrema até que se sintam exauridos e incapazes de lidar com a rotina, muitas vezes desenvolvendo comportamentos agressivos e crises de ansiedade são candidatos clássicos ao diagnóstico de burnout (algo como apagado, em tradução livre). Mas essa não é, nem de longe, o único problema do tipo. Por trás deles está, geralmente, uma condição conhecida da maioria: o estresse, que atinge, em diferentes níveis, 70% dos trabalhadores brasileiros, segundo estudo da ISMA-BR, uma organização para pesquisa e prevenção da estafa no Brasil. Só o burnout afetaria 30% da população economicamente ativa do país.

— O estresse em si não é uma doença, mas pode ser o gatilho, e é preciso estar alerta — explicou a psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da ISMA-BR.

O truque, segundo Ana Maria, é manter o ritmo. Não aquele imposto pelos fatores externos, mas o do corpo. Enxergar a alimentação saudável, a atividade física, o lazer e o sono de qualidade como prioridades, e não meros coadjuvantes. Isso significa estabelecer objetivos e impor limites, mesmo que, para isso, às vezes seja necessário reduzir expectativas.

Insônia e depressão

Foi o que precisou aprender um profissional de 36 anos do ramo de seguros. Ele conta que adorava o cargo de coordenador, era produtivo, considerava-se um dos melhores do setor. Doava-se quase que integralmente, esquecia de almoçar e até de ir ao banheiro. Por mais de uma década, sua rotina era de dez a 18 horas de trabalho diárias.

— Não percebi que estava me deixando levar demais — lembra-se. — Há três anos, notei que algo estava estranho; num relatório que levava 30 minutos para fazer, comecei a gastar dois dias. Passei a ter dificuldade de me concentrar e comunicar, gaguejava, estava exausto e, ainda assim, passava noites inteiras sem dormir; tinha crises de choro sem motivo, dores de cabeça, gastrite… Cheguei a não conseguir nem tomar banho…

Levado pela esposa, começou o tratamento psicológico e, logo, precisou se afastar do trabalho. Nesse período, chegou a pensar em suicídio. Voltou, depois de um tempo, para a mesma função. Porém, passado o ano seguinte no cargo — garantido pelo direito de estabilidade —, foi demitido. Ele alega que até conseguia realizar os projetos, mas não na velocidade ou da forma requeridas pela empresa.

Autoconhecimento é um fator-chave nesse processo, defende a psiquiatra Deborah Duwe, especialista em tratamento de estresse:

— É preciso se conhecer e ter a qualidade de vida como um valor. Essas pessoas, quando chegam a uma situação perigosa, param. É bom também ter alguém próximo que possa levantar o cartão amarelo.

O chamado jetlag social, por exemplo, é uma sensação de cansaço permanente de quem tem muitos compromissos e não consegue acompanhá-los. A qualidade de sono é a primeira a ser afetada. Há um total descompasso entre rotina e relógio biológico. A referência, não à toa, é à fadiga provocada por viagens a lugares com o fuso horário diferente.

A doença da pressa é um sentimento ininterrupto de urgência, de fissura na contagem do tempo.

— É a sensação de que não vai dar tempo para nada. Daí surge a hostilidade a qualquer coisa ou pessoa que retarde o desenvolvimento das tarefas. Por exemplo, alguém que venha querer conversar — explicou pesquisadora do Instituto de Psicologia e Controle do Estresse, Marilda Lipp,

Dependência tecnológica

Numa sociedade cada vez mais conectada, a dependência da tecnologia também virou síndrome. Atinge cerca de 10% dos brasileiros, segundo estudos. Viciadas em internet e redes sociais ou incapazes de desligar o celular, as vítimas têm até setor especializado para tratamento no Hospital das Clínicas de São Paulo.

— Está explodindo o número de dependentes do Facebook, do WhatsApp… Há pessoas que simplesmente não conseguem se desligar hora nenhuma — comenta Deborah Duwe.

Por isso algumas iniciativas tentam ir no sentido contrário. Movimento internacional chamado Slow (lento) prega uma desaceleração radical. Em alguns momentos, adeptos se encontram para não fazer absolutamente nada. E sem culpa.

Desfecho contra empresa

O processo iniciado em 2010 por uma operadora de telemarketing que alegou sofrer de burnout teve um desfecho surpreendente. Guaciara Cristóvão de Souza, de 23 anos, ganhou a causa contra a empresa da Atento Brasil S.A, que a demitiu por justa causa.

— Eu ficava na Ouvidoria, uma área em que ouvia muitas críticas do serviço de celular, mas não podia resolver nada. Os clientes ficavam muito irritados. Depois de um tempo, comecei a chorar direto, tremer, tinha medo das pessoas até na rua — conta Guaciara, que começou tratamento psicológico e pediu licença após gritar com um dos clientes.

O pedido não foi aceito, e ela foi dispensada. Mas o Tribunal Superior do Trabalho decidiu, em 30 de abril, pela indenização de R$ 5 mil à jovem. Para a advogada trabalhista Maria Fernanda Ximenes, isso mostra que a Justiça está atenta:

— É um problema sério, que não pode ser encarado com leviandade. Se diagnosticado, é preciso levar em conta na hora de uma decisão que envolva questões trabalhistas.

por Flávia Molhorance em OGlobo

One thought on “Estresse, o maior gatilho para as síndromes da vida moderna

  1. Olá Débora. Acompanho seus trabalhos pela web e neste caso me identifiquei. Encontrei explicação para o que às vezes ocorre comigo. Há momentos em que o melhor a fazer é simplesmente não fazer nada. Nesta última quarta feira mesmo, tirei o dia para dormir. O estresse acumulado do dia a dia me leva a um estado de esgotamento físico e mental, que o melhor a ser feito é parar. As pessoas ao redor na maioria das vezes não entendem e acabam julgando de maneira errada, achando que é corpo mole ou preguiça. Cada um deve conhecer o seu limite e ao perceber que está chegando a ele, deve parar. Hoje consigo lidar com isso sem culpa. Fui acostumado a ser e ter como obrigação, sempre, a responsabilidade, mas vejo hoje, que a minha maior responsabilidade tem que ser comigo e com o meu bem estar. Um abraço.