PARE E ESCUTE: PESQUISA MOSTRA QUE O CANTO DOS PÁSSAROS PODE REDUZIR A ANSIEDADE E A PARANOIA

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Ouvir o canto dos pássaros parece ter um impacto positivo e importante na saúde mental e no humor, sugere nova pesquisa.

Pesquisadores constataram que pessoas que ouviram gravações de pássaros cantando apresentaram uma redução significativa da ansiedade e da paranoia. Por outro lado, ouvir gravações de ruídos de tráfego, como motores de carros, sirenes e barulhos de construção, aumentou estados depressivos.

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“Os resultados sugerem que pode ser útil investigar o uso direcionado de sons naturais, como o canto dos pássaros, em um ambiente clínico, como nas salas de espera de hospitais ou em instituições psiquiátricas, disse ao Medscape o pesquisador do estudo Emil Stobbe, doutorando no Max-Planck-Institut für Bildungsforschung, na Alemanha.

“Se alguém estiver procurando uma intervenção facilmente acessível para diminuir o sofrimento, ouvir um áudio de pássaros cantando pode ser uma ótima opção”, acrescentou.

O estudo foi publicado on-line em 13 de outubro no periódico Scientific Reports.

Efeito calmante da natureza

O objetivo da pesquisa foi “investigar como o ambiente físico impacta a saúde mental e cerebral”, disse Emil.

Ele afirmou que há significativamente mais pesquisas examinando as propriedades visuais do ambiente físico, mas que o domínio auditivo não é tão bem pesquisado, embora, acrescentou, os benefícios das interações com a natureza sejam “bem estudados”.

Emil observou que a ansiedade e a paranoia podem ser vivenciadas por muitas pessoas, apesar de eventualmente não estarem cientes de que estão experienciando esses sentimentos.

“Queríamos investigar se os efeitos benéficos da natureza também teriam algum impacto nesses casos. Em teoria, os pássaros podem representar o ambiente natural e vital, o que, por sua vez, transfere os efeitos positivos da natureza para os ouvintes de seu chilrear”, disse o autor.

Um estudo anterior comparou a paisagem sonora da natureza à da paisagem sonora urbana e mostrou que a paisagem sonora da natureza melhorou o desempenho cognitivo dos participantes, mas não melhorou o humor. O estudo em tela acrescentou diversidade às paisagens sonoras e se concentrou não só na cognição e no humor em geral, como também na paranoia, “que pode ser medida de maneira sensível à mudança” e “tem demonstrado aumentar em resposta ao ruído do tráfego”.

Os pesquisadores levantaram a hipótese de que o canto dos pássaros teria um efeito benéfico maior no humor e na paranoia e no desempenho cognitivo em comparação ao ruído do tráfego. Os autores também investigaram se uma maior ou menor diversidade de espécies de aves ou fontes de ruído na paisagem sonora “seria um fator relevante para a modulação dos efeitos”.

Os pesquisadores recrutaram os participantes (n = 295) de uma plataforma de crowdsourcing. A média de idade dos participantes foi de 20 anos (desvio padrão: de 6,30 a 7,72), com maior proporção de participantes do sexo masculino em comparação ao sexo feminino.

Para entrar no estudo, os participantes não podiam ter história de doença mental, dificuldades auditivas, consumo de substâncias ou drogas, ou pensamentos e/ou tendências suicidas.

Os resultados de interesse (humor, paranoia, desempenho cognitivo) foram avaliados antes e depois da exposição à paisagem sonora, e cada paisagem sonora tinha uma versão de baixa e alta diversidade. Isso resultou em várias análises que compararam dois tipos de sons (canto dos pássaros vs. barulho de tráfego) × dois níveis de diversidade (baixa e alta diversidade) e dois pontos temporais (pré- e pós-exposição).

A exposição aos sons durou seis minutos, após os quais os participantes foram solicitados a mostrar (em uma escala visual de 0 a 100) o quão diversa, monótona, bonita e agradável achavam que a paisagem sonora tinha sido.

Redução dos sintomas depressivos

Os participantes foram divididos em quatro grupos:

  • Som de baixa diversidade de tráfego (n = 83)
  • Som de alta diversidade de tráfego (n = 60)
  • Som de canto de pássaros de baixa diversidade (n = 63)
  • Som de canto de pássaros de alta diversidade (n = 80)

Além de ouvir os sons, os participantes preencheram questionários medindo o humor (depressão e ansiedade) e a paranoia, bem como fizeram um teste de desempenho cognitivo do intervalo de dígitos (tanto para a frente quanto para trás).

O tipo, diversidade e o tipo × a diversidade mostraram valores de efeito significativos (F[3, 276] = 78,6; p < 0,001; ηp2 = 0,461; F[3, 276] = 3,16; p = 0,025; ηp2 = 0,033; e F[3, 276] = 2,66; p = 0,028, respectivamente), “sugerindo que todos esses fatores, bem como sua interação, tiveram um impacto significativo na percepção das paisagens sonoras (ou seja, avaliações sobre monotonia, diversidade, beleza e prazer)”.

Uma análise post hoc mostrou que os sintomas depressivos aumentaram significativamente nas paisagens sonoras urbanas de baixa e alta diversidade, mas diminuíram significativamente nas paisagens sonoras de canto de pássaros de alta diversidade (T[1,60] – 2,57; p = 0,012; d =  - 0,29).

Para a ansiedade, as análises post hoc em cada grupo não encontraram efeitos da paisagem sonora de ruído de tráfego de baixa e alta diversidade (T[1, 82] =  - 1,37; p = 0,174; d =  - 0,15 e T[1, 68] = 0,49; p = 0,629; d = 0,06, respectivamente). Por outro lado, houve diminuições importantes nas duas paisagens sonoras de canto de pássaros (baixa diversidade: T[1, 62] =  - 6,13; p < 0,001; d =  - 0,77; alta diversidade: T[1, 60] =  - 6,32; p < 0,001; d =  - 0,70).

Também não houve mudanças nos participantes com paranoia quando ouviram ruídos de tráfego de baixa ou alta diversidade (T[1, 82] =  - 0,55; p = 0,583; d =  - 0,06 e T[1, 68] = 0,67; p = 0,507; d = 0,08, respectivamente). Por outro lado, as duas paisagens sonoras de canto de pássaros diminuíram a paranoia (baixa diversidade: T[1, 62] =  - 5,90; p < 0,001; d =  - 0,74; alta diversidade: T[1, 60] =  - 4,11; p < 0,001; d =  - 0,46).

Nenhuma das paisagens sonoras teve qualquer efeito na cognição.

“Em teoria, os pássaros podem ser representativos de ambientes naturais e vitais que, por sua vez, transferem os efeitos positivos da natureza para os que escutam o seu chilrear”, disse Emil.

“Juntos, os achados do estudo em tela revelam outra faceta do porquê as interações com a natureza podem ser benéficas para a nossa saúde mental, e é muito importante preservar a natureza”, acrescentou.

Emil disse que as próximas pesquisas deveriam se concentrar na investigação de paisagens sonoras mistas, por exemplo, examinando se a presença de sons naturais em ambientes urbanos diminui os fatores de estresse, como o barulho do tráfego.

Área pouco estudada

Convidado pelo Medscape para comentar o estudo, o médico Dr. Ken Duckworth, diretor médico da National Alliance on Mental Illness (NAMI), disse que o estudo “é interessante, porém limitado”.

O Dr. Ken, que não participou da pesquisa, disse que os “benefícios da natureza são pouco estudados” e concordou com os pesquisadores ao afirmar que pode ser importante estudar o uso do canto dos pássaros nas instituições psiquiátricas.

“Os próximos estudos também poderiam correlacionar o papel do canto dos pássaros com os benefícios/aspectos de saúde mental de ‘estar na natureza’, que já foi demonstrado render algum efeito”.

O subsídio foi para o Open Access foi organizado pelo Projekt DEAL. Os autores e o Dr. Ken Duckworth informaram não ter conflitos de interesses.

Sci Rep. Publicado on-line em 13 de outubro de 2022. Texto completo

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Fonte: Batya Swift Yasgur para Medscape - Foto: Wirestock para Freepik

 

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