Estresse, desmotivação, irritação: conheça o burnout, síndrome do esgotamento profissional

Pressão, falta de confiança entre os colegas, jornadas longas e discrepância entre expectativas do trabalhador e o que é exigido podem levar ao desgaste emocional e físico

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Todas as manhãs, ao acordar, a sensação ainda é de cansaço. Parece que as noites de sono não são reparadoras. Sem entender o que está acontecendo e com um sentimento de angústia que se arrasta há dias, ela procura um médico. Nada de errado aparece nos exames, e a orientação é descansar. Antes de chegar ao trabalho, vários minutos dentro do carro. Só de pensar em entrar no escritório, a ansiedade já aparece. Lá dentro, não consegue se concentrar. Nos primeiros cinco minutos, irrita-se demais porque o computador demora a ligar. Antes mesmo de começar as tarefas do dia, sabe que não terá tempo suficiente para terminá-las, como acontece sempre. Para piorar a situação, o novo sistema do banco de dados, essencial para o trabalho, é difícil de entender. Queixa-se de pouca autonomia, mas não consegue conversar com os colegas ou com o chefe sobre isso. Começa a notar que fica horas sem poder ao menos sentar para tomar um café com eles, pois todos estão sempre muito ocupados. Decide fazer o mínimo possível para entregar o que precisa. Afinal de contas, “o que eu faço aqui não importa a ninguém mesmo”. E pergunta-se: “O que é que estou fazendo aqui?”.

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Situações como essa descrevem mais do que alguém infeliz em seu trabalho. Provavelmente, a pessoa descrita acima sofre de burnout, uma síndrome relacionada ao esgotamento ocupacional que provoca um estado de tensão emocional e estresse crônico. A síndrome causa diminuição do desempenho no trabalho, falta de engajamento — ou seja, a pessoa não consegue se envolver com aquela ocupação — e despersonalização, um “descolamento” do indivíduo de sua própria personalidade, levando à apatia e ao desinteresse. O local de trabalho passa a ser um peso. Pressão, falta de confiança entre os colegas, jornadas longas e discrepância entre expectativas do trabalhador e o que é exigido podem levar ao desgaste emocional e físico, e se tornam gatilho para o desenvolvimento da síndrome.

Os especialistas concordam que há personalidades e profissões mais suscetíveis ao burnout, mas em boa parte dos casos prevalece a máxima: o problema não é você, é o seu ambiente de trabalho.

Esgotamento, desmotivação e exaustão

Enquanto debatia a síndrome de burnout no 17º Congresso de Stress da International Stress Management Association (Isma-BR), realizado em Porto Alegre recentemente, a presidente da entidade, Ana Maria Rossi, ouviu um relato que a marcou. Uma bancária, em certo ponto, desabafou dizendo que, ao entrar no local de trabalho, “deixava o coração na gaveta” para conseguir oferecer planos e soluções que não eram tão benéficos quanto pareciam para os clientes. Segundo Ana Maria, esse é um sinal de despersonalização, um dos sintomas do burnout. Para manter o emprego, a mulher precisava se descolar do que acredita ser correto.

— Isso mostra o nível de despersonalização a que se pode chegar. A pessoa se torna cética, não vê saída nem tem motivação — diz a especialista.

Um dos primeiros sintomas a serem notados por quem sofre com a síndrome é de esvaziamento de energia. A pessoa sente uma exaustão física e mental tão grande que não há final de semana ou férias que possam resolver. Voltar para o trabalho passa a ser emocionalmente insustentável. Não é possível angariar os recursos psicológicos para vencer o sofrimento.

Com tamanha exaustão, vêm a sensação de incapacidade para trabalhar e a falta de concentração. Em alguns casos, há aumento da agressividade ou da passividade: o trabalhador começa a se esconder ou ficar sempre em uma posição de defesa ou de conflito. A relação com os colegas também é atingida, e a pessoa é afastada dos demais.

Muitas vezes confundido com outros transtornos, o burnout pode ser o gatilho para eles.

— O burnout, em muitos casos, é um estágio que leva ao transtorno depressivo. E pode desencadear risco de suicídio e de comportamentos altamente destrutivos — alerta a psiquiatra Roberta Rossi Grudtner.

Problema negligenciado

O primeiro registro do termo burnout para caracterizar a exaustão física e emocional relacionada ao trabalho é de 1953, quando uma publicação científica usou o nome para descrever a situação vivida por um enfermeira. Desde então, a síndrome vem sendo pesquisada e desmistificada, mas ainda é negligenciada por empresas e pelo Estado.

Um exemplo é o que ocorreu na Suécia, um país considerado modelo de bem-estar social, mas que virou manchete no começo dos anos 2000 devido a uma “epidemia” de burnout. Diante de um crescimento nunca visto de licenças e afastamentos, profissionais de saúde, políticos e trabalhadores perceberam a existência e a importância da síndrome, e o país passou a encarar o problema como uma questão de saúde pública.

No Brasil os programas de prevenção no local de trabalho ainda são pouco utilizados. Segundo a psiquiatra Roberta, basta uma pessoa ser vítima da síndrome em uma empresa, para haver motivos para reavaliar o ambiente e os processos do local.

— É mandatório que se busque uma prevenção ampla para proteger a saúde do trabalhador, que também precisa ser um agente de um ambiente agradável — afirma a especialista.

Não é depressão

A comum confusão entre burnout e depressão cria dificuldades na busca por soluções. Os transtornos exigem tratamentos distintos, ainda que possam ser usados medicamentos semelhantes. A principal atitude de quem sofre com o esgotamento profissional é buscar ajuda assim que os primeiros sintomas aparecem. É necessário realizar um acompanhamento psicológico para avaliar a necessidade de afastamento do trabalho.

Segundo os especialistas, o melhor caminho é o da prevenção. As empresas precisam ter noção da importância de adequar equipamentos, oferecer assistência e preocupar-se com o conforto dos funcionários. Os próprios trabalhadores também devem colaborar para que o ambiente seja amigável e leve. A prevenção também pode acontecer individualmente, fora do trabalho.

— Quando as pessoas têm um mecanismo de defesa além do trabalho, um estilo de vida saudável, um exercício físico de que goste, isso pode ajudar. Em alguns casos, a espiritualidade auxilia na resiliência — afirma a psiquiatra Roberta Rossi Grudtner.

Em busca do equilíbrio

Christina Maslach, uma das principais pesquisadoras do tema, lista as seis áreas em que se deve ter atenção. Quanto maiores os conflitos em cada uma delas, maiores os riscos de se chegar ao desgaste.

Carga de trabalho

O número de horas trabalhadas ou de tarefas a completar em pouco tempo é um fator de estresse. Isso vale para trabalhadores com jornadas longas, pouco tempo de folga ou grande pressão para entregar muitos resultados em pouco tempo.

— A carga é um grande indutor, mas quando a pessoa gosta do trabalho, se sente reconhecida, não se torna um problema seriíssimo. Mas quando o ambiente não é acolhedor, a carga tem grande peso — afirma a psicóloga Ana Maria Rossi.

Reconhecimento

O retorno positivo sobre o trabalho importa. Ter a sensação de que há um reconhecimento — seja dos chefes ou da sociedade — pode aliviar o esgotamento.

— Depois de ter nossas necessidades básicas atingidas, queremos reconhecimento. Saber que o que fazemos traz algum benefício. A pessoa que não se sente gratificada e só ouve reclamações perde a motivação, e o adoecimento é questão de tempo — diz Ana Maria.

Controle

A autonomia dos funcionários também pesa nessa equação. Christina Maslach cita o caso de um hospital que impôs um sistema complicado e burocrático para o preenchimento de dados dos pacientes. Os trabalhadores não tinham controle algum sobre o seu funcionamento nem possibilidade de escolha. Ter certa autonomia e liberdade para exercer funções e tarefas, sem ser constantemente supervisionado e pressionado, pode evitar o estresse.

Justiça

O funcionário que mais entregou trabalhos de qualidade não recebe um aumento. O outro, que sabidamente é mais próximo à chefia, recebeu. Essa situação não é incomum e tem um grande peso no bem-estar dos trabalhadores. Sentir-se injustiçado ou perceber que as regras não são aplicadas da mesma forma para todos gera desgaste.

Valores

Os valores pessoais do trabalhador precisam estar em sintonia com a função que ele exerce. Se, para cumprir suas tarefas, o funcionário precisa ir contra suas crenças e seus princípios éticos, há um grande desgaste emocional.

Comunidade

O apoio dos colegas e um ambiente amigável colaboram para o bem-estar. Poder contar com outros, ter tempo para tomar um café e dividir o dia a dia com os demais é importante. A possibilidade de compartilhar problemas e de estabelecer relações de confiança para buscar soluções ou opiniões torna a experiência no trabalho mais satisfatória.

Fonte: por Paula Minozzo para ZH Vida - Fotografia: PDPics para Pixabay

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