EMPATIA EM QUEDA LIVRE: SAIBA PORQUE O BURNOUT DERRUBA A SUA

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A compaixão nasce da capacidade de compreender e partilhar dos sentimentos dos outros, ou seja, do sentimento de empatia. Estudos mostram que a empatia é essencial para a qualidade da assistência à saúde ─ e não apenas aos pacientes.

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Em um estudo sobre índices de empatia entre médicos, 87% dos participantes afirmaram que a compaixão, ou o desejo claro de aliviar o sofrimento alheio, é o fator mais importante na escolha de um médico. A empatia pode até mesmo ser mais relevante que custo, tempo de deslocamento até o local da consulta e na sala de espera, e está entre as características que mais se espera em um médico. A Dra. Wendie Trubow, ginecologista e obstetra nos Estados Unidos com mais de 25 anos de experiência, disse que a empatia a ajudou a ser uma médica melhor.

“Os pacientes sempre expressam sua gratidão por alguém ter escutado e compreendido suas queixas”, disse ela. “Quando eles se sentem ouvidos e valorizados, é mais provável que falem abertamente, o que aumenta a possibilidade de conseguirmos criar planos de tratamento dos quais eles realmente participarão. Em última análise, isso enriquece o atendimento ao paciente.”

O Dr. Mohammadreza Hojat, Ph.D., professor e pesquisador em psiquiatria e comportamento humano no Asano-Gonnella Center for Research in Medical Education and Health Care na Thomas Jefferson University nos Estados Unidos, disse que a pesquisa empírica que ele e seus colaboradores fizeram nos últimos 20 anos sobre empatia na educação em saúde e no atendimento ao paciente mostrou que o compromisso com a empatia na assistência é reciprocamente benéfico tanto para médicos como para pacientes.

Por exemplo, ele observou que em um estudo pacientes diabéticos tratados por médicos empáticos (avaliados pela Jefferson Scale of Empathy) apresentaram maior controle sobre a doença quando considerados os resultados de exames laboratoriais, como a verificação dos níveis de hemoglobina glicada e de lipoproteína de baixa densidade do colesterol. Em outra pesquisa, pacientes com diabetes tratados por médicos mais empáticos apresentaram taxas significativamente mais baixas de complicações metabólicas agudas que exigiram hospitalização.

Para os médicos, relacionamentos empáticos com seus pacientes levaram a menos conflitos, melhor remuneração, maior satisfação do paciente, menos ações judiciais por imperícia e uma experiência mais gratificante no tratamento de pacientes.

Diferentes tipos de empatia

A importância da empatia na medicina é evidente, mas o Dr. Mohammadreza explicou que é fundamental fazer a distinção entre empatia clínica e empatia emocional. A primeira pode melhorar os cuidados com os pacientes, enquanto a segunda, quando em excesso, pode levar à síndrome do esgotamento profissional (burnout) do médico.

Na verdade, segundo ele a empatia clínica e a empatia emocional têm consequências diferentes no cenário médico.

“A relação entre empatia clínica e desfechos clínicos é linear, o que significa que um envolvimento [profissional] mais empático leva a resultados clínicos mais positivos”, comentou. “No entanto, a relação entre empatia emocional e desfechos clínicos é curvilínea, ou em forma de U invertido, semelhante à associação entre ansiedade e desempenho; isso significa que a empatia emocional limitada e o envolvimento solidário limitado podem ser úteis, mas, quando ocorrem em excesso, podem dificultar as relações clínicas e a tomada de decisão clínica objetiva.”

A conclusão é que, quando os médicos não regulam sua empatia emocional, ela se torna um obstáculo à empatia clínica, por fim prejudicando os desfechos da assistência à saúde.

Quando o burnout dificulta a empatia

Claro, o inverso também é real — o burnout pode dificultar qualquer tipo de empatia dos médicos com seus pacientes. Pelo menos 53% dos médicos apresentam um ou mais sintomas de burnout, como exaustão, dúvidas sobre o objetivo do trabalho, cinismo, sarcasmo e necessidade de “desabafar” sobre os pacientes ou sobre o trabalho, de acordo com o relatório “‘I Cry but No One Cares’: Physician Burnout & Depression Report 2023”, do Medscape.

O desabafo sobre os pacientes também pode ser chamado de “fadiga da compaixão”, um sinal de que a capacidade de sentir empatia está comprometida. Nessa situação, ainda é possível clinicar, mas o profissional não consegue chegar nem perto de suas habilidades ideais.

“Geralmente, os médicos sob burnout lutam contra a empatia, pois é exatamente o que está faltando para eles mesmos. E com frequência [eles] acham difícil provocar [esse sentimento]“, relatou a Dra. Wendie.

Como gerenciar o burnout e aumentar a empatia

burnout pode acontecer por vários motivos: pressão para se revezar no atendimento a dezenas de pacientes, muitas tarefas burocráticas, menos autonomia, frustração com os requisitos dos prontuários eletrônicos e muitas horas de trabalho, de acordo com o relatório do Medscape.

Um artigo do periódico Family Practice Management constatou que há duas metas principais com as quais os médicos devem lidar ao tentar reduzir os sintomas de burnout: diminuir os níveis de estresse e melhorar sua capacidade de equilibrar os momentos de restabelecimento e de gasto de energia.

“Para os médicos com burnout [e, portanto, com falta de empatia], a melhor abordagem é primeiro fazer uma pausa e avaliar se existe [uma possível] reorganização a ser feita para melhorar a situação; isso geralmente pode restabelecer a empatia de um profissional”, comentou a Dra. Wendie.

Os médicos podem procurar maneiras de aliviar o burnout, por exemplo, investindo em capacitação para liderança, encontrando trabalhos mais flexíveis, reduzindo o uso de tecnologia e limitando a prática de atividades fora da clínica.

Outras estratégias que podem auxiliar a recompor o equilíbrio englobam interações com colegas, maior senso de controle sobre seu trabalho e oportunidades de crescer e se destacar em sua área de atuação. Isso requer não apenas uma abordagem individual por parte dos médicos, mas também uma adesão em nível institucional.

No relatório do Medscape, em que 65% dos médicos afirmaram que o burnout afeta seus relacionamentos, alguns dos métodos de enfrentamento foram: praticar exercícios físicos, passar tempo com a família e os amigos, passar algum tempo sozinho, dormir melhor, ouvir música e praticar meditação.

“A empatia clínica deve ser situada no âmbito da medicina ‘baseada em evidências’”, segundo o Dr. Mohammadreza. “Tendo em vista os achados de nossa pesquisa, de que a empatia clínica tende a diminuir à medida que os alunos progridem na faculdade de medicina, é importante que a avaliação e o aprimoramento da empatia clínica sejam integrados ao currículo educacional formal das escolas médicas e aos programas de pós-graduação, para o desenvolvimento profissional de médicos em treinamento ou que já exercem [a profissão].”

Este conteúdo foi originalmente publicado no Medscape

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Fonte: Rachel Reiff Ellis para Medscape - Foto: Freepik

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